quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Crise dos mercados financeiros

Raras vezes terá sido tão repetidamente anunciado aquilo que agora está finalmente a acontecer. Há meses que os augures profetizam a grande queda, a próxima crise económica mundial. A recordação da crise nos mercados de valores que em Outubro de 2000 forçou a New Economy a uma aterragem de emergência das suas enormes altitudes de voo, destruindo num abrir e fechar de olhos milhões e milhões de capital fictício, ainda não se manifestou. Todos sabem ou intuem que o boom das borbulhas especulativas recebe estímulos deliberados.
O que os governantes aplaudem é um auge que não só é fundamentado no viver do fiado como tem base especulativa. Na última vez, a borbulha ia junto com uma onda de inovações na tecnologia da comunicação e da informação; desta vez não. A actual conjuntura repousa sobre a especulação com preços imobiliários, com preços de matérias-primas e com derivados financeiros. Em Fevereiro/Março, e a seguir novamente em Maio, houve os primeiros anúncios do dilema que se foi abrindo caminho. Duas vezes afundaram espectacularmente as bolsas da Ásia, mas as turbulências pareceram desfazer-se rapidamente. A partir de fins de Julho vê-se tudo de uma maneira muito diferente: esta vez explodiu uma gigantesca borbulha especulativa imobiliária, a crise hipotecária dos EUA avança sobre os bancos e os mercados financeiros na Europa e na Ásia, o comércio global com dívidas e créditos, inflamado pelo incremento explosivo do comércio com derivados financeiros, fez da especulação imobiliária um negócio internacional. Bancos e fundos de investimento de todo o mundo entram energicamente com a cabeça nas nuvens, ignorando a que riscos se expõem.
O que há muito se temia verificou-se: muitos, muitíssimos hedge funds envolveram-se lindamente na especulação. E eis que assistimos à mais bela crise do mercado de crédito e monetário. Quando hedge funds multimilionários entram em bancarrota, os bancos, as seguradores e os fundos de investimento são os tolos que os financiaram. Nos EUA, a famosa Universidade de Harvard perdeu de um dia para outro 700 milhões de dólares num "investimento em dinheiro" desse tipo. Muitos bancos hipotecários norte-americanos estão na bancarrota e seus credores europeus, como o Deutsche Bank, o Commerzbank, p francês BNP Parisbas ou o belga Fortis, tem que contar as perdas em centenas de milhares de euros. Alguns grandes bancos europeus preparam-se para encerrar, devido às perdas maciças, os seus hedge funds. Milhares de milhões desvanecem-se no ar.
O Banco Postal alemão, por exemplo, assim como o Westdeutsche Landesbank e o Sächsische Landesbank; um banco de média dimensão como o IKB alemão, puseram em jogo milhares de milhões — perdendo-os. À bancarrota dos fundos segue-se a fuga dos investidores: o pânico entra em cena e leva a uma aterragem das cotações à escala planetária. Todos os índices dos grandes mercados de valores — Dow Jones, Nasdaq, Standard&Poor's, DAX, Nikkei, etc — registaram grandes perdas: muitos, de mais de 3% por dia. As perdas multimilionárias de bancos e fundos de investimentos e a fuga em massa dos investidores trouxeram consigo uma crise creditícia clássica. Os bancos, que semanas após semana tinham que refinanciar créditos multimilionários, de repente têm dificuldades para obter créditos e operar no mercado; o mercado monetário aperta. Como sempre, quando há ameaça de um colapso dos mercados financeiros, os governos preparam-se para intervir. Um banco pequeno como o IKB pôde ser salvo do abismo com uma acção rápida e concertada. Mas uma crise do mercado de crédito, que se propaga para além do mundo dos mercados financeiros, precisa de protecção mais severa. O que tarda em ocorrer. Pela primeira vez desde Setembro de 2001 o Banco Central Europeu interveio maciçamente, injectando em poucos dias mais de 200 mil milhões de euros no mercado monetário. O medo do grande crash é mais forte do que o oficialmente cultivado temor à inflação.
Os bancos centrais dos EUA, Austrália, Japão, Suíça, Canadá e outros países ocidentais importantes reagiram da mesma maneira e em poucos dias puseram em circulação uns 500 mil milhões de euros. Entretanto, os economistas tranquilizam-se com a conclusão mais apressada: o pior já passou, a crise hipotecária tem efeitos saneadores; a economia mundial vai bem. Mas não experimentámos senão o estalido de uma borbulha especulativa que ainda vai mais de 10 mil milhões de dólares, para não falar das restantes borbulhas especulativas que se formaram no último período.
O acto seguinte no drama pela nova repartição do mundo entre os países capitalistas será com certeza representado, mas o intermezzo entre a actual crise do mercado monetário e a crise que vem aí do comércio mundial ainda pode durar semanas ou meses. Contudo, todos os "dados fundamentais" da economia mundial apontam para super-capacidades e super-produção.
19/Agosto/2007 [*] Estudou economia e ciência política em Berlim e Paris. Actualmente é professor em várias universidades alemãs e no estrangeiro, desde 1981 principalmente em Amsterdam. Co-editor da revista alemã SPW (Revista de política socialista e economia) e da nova edição crítica das Obras Completas de Marx e Engels (Marx-Engels Gesamtausgabe, nova MEGA). Investigador associado do Instituto Internacional de História Social, em Amsterdam. Autor de numerosos livros sobre economia política internacional. O original encontra-se em http://www.sinpermiso.info/